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Mulheres, Pandemia e Resiliência: Um Alerta Neste 8 de Março

  • 08/03/2021
  • Carla Furtado, para Estadão

O Dia Internacional da Mulher não é uma data festiva, é uma data reflexiva. É um holofote lançado sobre os diferentes desafios vividos pelas mulheres em todo o planeta. Se a conquista de direitos ao longo das décadas é inegável, a queda no bem-estar feminino também é: a felicidade das mulheres tem declinado de maneira absoluta e relativa quando comparada aos homens. Esse fenômeno foi batizado de paradoxo da felicidade feminina.

Com a COVID-19, a vulnerabilidade tornou-se ainda mais evidente. Inúmeros estudos conduzidos ao redor do mundo evidenciaram os riscos ampliados em mulheres para transtornos mentais e comportamentais. Pesquisa capitaneada pela organização CARE mostrou que elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite, incapacidade de dormir e dificuldade em concluir as tarefas diárias. Para chegar a esse resultado, foram ouvidas mais de 10 mil pessoas em 38 países, incluindo os da América Latina.            

As causas são evidentes. Dos milhões de demissões observados nos primeiros meses de pandemia, as mulheres formaram o maior grupo, tanto em países desenvolvidos quanto nas nações em desenvolvimento. Some-se a isso a inequidade na divisão do trabalho doméstico. Ainda segundo o estudo da CARE, nos EUA 55% das mulheres fazem trabalhos relativos aos cuidados com a casa contra apenas 18% dos homens.  No acompanhamento da escola remota, quase toda a carga da atenção às crianças é das mulheres. Além disso, na linha de frente da assistência aos pacientes elas são a maioria, estando sob maior risco e experimentando estigmatização.
           

Com o anúncio de uma nova onda - com cepas mais transmissíveis e lockdowns por todo o País - e o conhecimento que já se possui após um ano de enfrentamento da pandemia, é emergencial que se escreva um capítulo protetivo para a saúde mental das mulheres. E que se beba no que a ciência já sabe sobre resiliência para fazê-lo.

Compreendida como uma habilidade, a resiliência pode e deve ser adquirida e desenvolvida, sendo compreendida como a capacidade de navegar em busca de recursos para enfrentamento das adversidades. Dos fatores pessoais, destacam-se a autoconsciência e a autorregulação. A primeira requer que se aprenda a reconhecer emoções, pensamentos e fisiologia e a segunda está relacionada à capacidade de acalmar essas mesmas emoções, pensamentos e fisiologia. Práticas contemplativas, como meditação e mindfulness, têm se mostrado eficazes nesse sentido, sendo oferecidas em diferentes plataformas gratuitas.

Ainda no âmbito individual, o fortalecimento mental promove ganhos de resiliência. Esse é o caso do desenvolvimento de perspectiva positiva. De maneira breve, um dos exercícios consiste em olhar para aquilo que constitui uma adversidade e usando da escrita reflexiva responder: qual é o pior desfecho para essa situação, qual é o desfecho ideal e qual é o mais realístico. Nunca é demais lembrar que a maioria das tragédias existiram apenas no âmbito mental.

Conhecer as próprias forças e dispô-las ao alcance dos olhos pode colaborar na travessia de turbulências. Dos diferentes assessments disponíveis, destaca-se o Teste de Virtudes e Forças de Caráter do Instituto Via, realizado por mais de 13 milhões de pessoas ao redor do planeta. Gratuito, científico e disponível em português (viacharacter.org) identifica as chamadas forças de assinatura, aspectos positivos da personalidade. O uso deliberado das forças de caráter pode apoiar o enfrentamento de desafios.  


Os recursos pessoais citados até aqui são eficazes, mas não respondem por toda a resiliência que se necessita. Além de navegar para dentro de si, as mulheres precisam navegar para fora e encontrar uma rede de apoio social e afetivo capaz de sustentá-las. É na conexão humana de qualidade e nos ambientes positivos (família, comunidade, trabalho) que se obtêm a força  para aquele quilômetro a mais da corrida.

Nunca é demais lembrar que a pandemia não rompeu os sistemas estabelecidos, apenas evidenciou as rachaduras existentes. E se rachaduras, como escreveu Leonard Cohen, são espaços por onde a luz pode entrar, façamos da nova onda da pandemia uma janela por onde entre, em definitivo a compreensão de que a saúde mental da mulher é uma construção coletiva e social.


*Carla Furtado é pesquisadora científica e professora na área de psicologia e fundadora do Instituto Feliciência, com atuação no Brasil e em Portugal






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